Religião e Política: A Convergência da Direita Cristã e o Bolsonarismo

 

 


Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado uma crescente influência da comunidade evangélica na esfera pública, o que culminou no apoio massivo ao governo de Jair Bolsonaro. Este fenômeno complexo pode ser compreendido à luz da Teologia do Domínio, um movimento originário dos Estados Unidos que visa a predominância de valores cristãos em todas as esferas da sociedade.

A Teologia do Domínio é enraizada no reconstrucionismo cristão e defende que os cristãos devem exercer domínio sobre todas as áreas da sociedade, incluindo governo, mídia, educação, artes e negócios. Essa doutrina se baseia em uma interpretação literal da Bíblia, especialmente no mandato de "dominar a terra" encontrado em Gênesis 1:28.

A ascensão da Teologia do Domínio nos Estados Unidos se deu, em parte, pela mobilização de comunidades religiosas em torno de uma agenda política conservadora. Esta mobilização foi fundamental para a eleição de presidentes como Ronald Reagan e Donald Trump, que contaram com o apoio massivo de eleitores evangélicos. O sucesso da Teologia do Domínio em influenciar a política norte-americana criou um modelo que foi exportado para outros países, incluindo o Brasil.

Para entender como a Teologia do Domínio se manifesta na prática, é importante destacar algumas de suas características principais:

Nacionalismo Cristão: A defesa de que o Brasil deve ser uma nação cristã, refletindo valores cristãos em suas leis e políticas públicas. Isso implica a promoção de uma identidade nacional fortemente ligada ao cristianismo, muitas vezes em detrimento de outras crenças e visões de mundo.
 
Supremacia Religiosa: A crença de que o cristianismo deve ter primazia sobre outras religiões e visões de mundo. A Teologia do Domínio sustenta que os valores cristãos são superiores e, portanto, devem guiar a moralidade e a legislação do país.
 
Visão Teocrática: A aspiração de que as leis e políticas públicas reflitam os princípios bíblicos, com líderes cristãos em posições de poder. Isso se traduz em um desejo de que a governança do país esteja diretamente alinhada com as interpretações bíblicas, transformando a política em uma extensão da fé religiosa.

A Teologia do Domínio ganhou força nos Estados Unidos nas últimas décadas, influenciando a direita cristã e o Partido Republicano. A eleição de presidentes como Ronald Reagan e Donald Trump, com forte apoio evangélico, demonstra o sucesso da Teologia do Domínio em mobilizar eleitores em torno de uma agenda conservadora. Essa influência se estendeu ao Brasil através de:

Vínculos Teológicos: A forte presença de igrejas evangélicas de origem estadunidense no Brasil, especialmente as neopentecostais, facilitou a disseminação da Teologia do Domínio e suas doutrinas, como a da prosperidade e da batalha espiritual. Igrejas como a Igreja Universal do Reino de Deus e a Assembleia de Deus desempenharam papéis fundamentais na propagação dessas ideias.
 
Atuação de Organizações Internacionais: Entidades como a JOCUM, o Capitol Ministries e a Christian Coalition, com forte presença no Brasil, promovem a Teologia do Domínio através de cursos, eventos e materiais de estudo. Essas organizações têm sido ativas na formação de líderes religiosos e na criação de redes de apoio para a implementação de sua agenda.
 
Aproximação com Líderes Políticos: A visita de pastores como John Hagee e Ralph Drollinger ao Brasil durante o governo Bolsonaro evidencia a conexão entre líderes religiosos estadunidenses e a direita cristã brasileira. Essas visitas reforçam a colaboração entre os movimentos evangélicos dos dois países e solidificam a influência da Teologia do Domínio na política brasileira.

O apoio evangélico ao Bolsonarismo pode ser compreendido como parte de um plano de poder que visa alcançar os seguintes objetivos:

Conquista de Espaço Político: Aumento da representação evangélica no Congresso Nacional através da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), ocupando cargos estratégicos no governo e influenciando a formulação de políticas públicas. A FPE tem sido uma força poderosa na promoção de legislações que refletem os valores evangélicos, muitas vezes em detrimento de questões de direitos humanos e diversidade.
 
Influência na Educação e Cultura: Pressão pela inclusão de valores cristãos nas escolas, revisão do ensino da teoria da evolução, combate à educação sexual e promoção da educação domiciliar. Este movimento busca moldar as futuras gerações de acordo com uma visão cristã conservadora, o que pode ter impactos profundos na sociedade a longo prazo.
 
Restrição de Direitos de Minorias: Oposição a pautas como a descriminalização do aborto, direitos LGBTQ+ e reconhecimento de direitos de comunidades indígenas, utilizando o discurso da "guerra cultural" contra a "ideologia de gênero". A retórica da guerra cultural tem sido eficaz em mobilizar a base evangélica contra mudanças sociais que são vistas como ameaças aos valores tradicionais.

O governo Bolsonaro se alinhou à agenda da direita cristã, criando um ambiente propício à ascensão do poder evangélico no Brasil. A aproximação com líderes religiosos, a nomeação de ministros evangélicos para cargos-chave e o discurso alinhado aos valores conservadores consolidaram o apoio evangélico ao governo. Bolsonaro, frequentemente, utilizou a retórica religiosa para mobilizar seus apoiadores e justificar suas políticas, estabelecendo uma conexão direta entre fé e governança.

O alinhamento entre o Bolsonarismo e a direita cristã se manifesta em diversas frentes, desde a promoção de políticas públicas que favorecem a comunidade evangélica até a defesa de princípios conservadores que são centrais à Teologia do Domínio. Esse relacionamento simbiótico fortalece ambos os lados, garantindo um apoio mútuo que tem se mostrado resiliente.

A Teologia do Domínio e o plano de poder evangélico enfrentam críticas significativas, entre elas:

Ameaça à Laicidade do Estado: A busca pela imposição de valores religiosos na esfera pública coloca em risco a separação entre Igreja e Estado, princípio fundamental da democracia brasileira. A laicidade é essencial para garantir que todas as crenças e visões de mundo tenham espaço e respeito na sociedade.
 
Intolerância Religiosa e Desrespeito à Diversidade: A supremacia religiosa pregada pela Teologia do Domínio promove a intolerância e o discurso de ódio contra minorias religiosas e grupos sociais que não se encaixam na visão de mundo cristã. Esse ambiente de intolerância pode levar a conflitos e à marginalização de grupos já vulneráveis.
 
Manipulação da Fé: A instrumentalização da religião para fins políticos e a disseminação de uma interpretação literal e descontextualizada da Bíblia são apontadas como forma de manipulação da fé dos fiéis. Muitos críticos argumentam que esse uso da fé para fins políticos distorce os princípios religiosos em benefício de agendas específicas.

A Teologia do Domínio, o plano de poder evangélico e o Bolsonarismo formam um tripé que impulsionou a ascensão da direita cristã no Brasil. A influência estadunidense, os vínculos teológicos e a instrumentalização da religião para fins políticos contribuíram para esse fenômeno. Cabe à sociedade civil estar atenta aos riscos que a Teologia do Domínio e o plano de poder evangélico representam para a democracia, a laicidade do Estado, a tolerância religiosa e o respeito à diversidade na sociedade brasileira.
A ascensão da direita cristã no Brasil é um fenômeno que merece atenção e reflexão cuidadosa. As implicações para a democracia e para a diversidade cultural e religiosa são profundas, e o debate sobre a influência religiosa na política deve ser conduzido com seriedade e responsabilidade. A sociedade brasileira precisa encontrar um equilíbrio que permita a expressão da fé sem comprometer os princípios democráticos que garantem a liberdade e a justiça para todos.
 

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